SEXO QUE VOCÊS NÃO CONHECEM

09/12/2011 09:42

 

 SEXO QUE VOCÊS NÃO CONHECEM

PREFÁCIO

 

A ética sexual católica está lutando hoje com uma dupla acusação. De um lado atacam-na pela falta de atitude de vida e determinações teorizadas demais, que não são possíveis de incorporar à vida. De outro, por serem declarações dos teólogos católicos consideradas falsamente afetadas de virtude, descrevendo exatamente a relação sexual dos cônjuges, pela demasiadamente perspicaz intromissão numa realidade que sequer deveria ser objeto de manuais destinados ao público em geral.

Nas bases deste pensamento repousa uma radical e ao mesmo tempo inverossímil divisão das esferas sacrum e profanum, ligadas com incompreensão do caráter teológico da instrução sobre o ser humano.

A afirmação conciliar popularizada por João Paulo II, de que não é possível que o homem não possa ser compreendido sem Cristo, conduz também à consequente construção da antropologia teológica que abrange assuntos do homem à luz da verdade de Deus e, ao mesmo tempo, vê lugar para Deus na vida cotidiana do homem. Não existe justificativa para o desligamento da problemática da sexualidade do âmbito das deliberações do teólogo e também não é possível levar esses interesses somente para balizar os limites do pecado. A luz da Revelação Divina não serve somente para desnudar o pecado, mas também tem a tarefa de indicar o caminho certo para a felicidade, que é obtida pelo proveito, de acordo com os desígnios de Deus, das possibilidades do corpo e da alma.

A acolhida do sábio plano de Deus a respeito do uso correto da  sexualidade humana é gerada da certeza de que Deus, ao ter criado homem e mulher e a eles dado a capacidade de demonstrar amor através da linguagem do corpo, assim o quis, para que fossem felizes, presenteando-se mutuamente de carinho e criando a união conjugal que leva a ser "um só corpo': A existência de desígnio positivo de Deus ordena à Igreja uma penetração séria na correta leitura desse plano e consequente transmissão deste aos fiéis. Um exemplo maravilhoso dessa compreensão da missão do teólogo e agente de pastoral católico foi Karol Wojtyla, que, escutando o que centenas de jovens lhe confidenciavam, conseguiu expressar o sentimento deles e qualificá-los numa profunda reflexão r contida no livro Amor e responsabilidade. Demonstrando a real força do impulso sexual, João Paulo II soube colocá-lo numa ampla perspectiva do amor, concebido como uma entrega mútua.

A felicidade matrimonial, que conduz a vivência diária da moradia comum como doação na dimensão de alma e corpo, coloca a necessidade de ordem ao se manter relações sexuais. A observação positiva da sexualidade manda nela ver nem tanto as dificuldades e arduras na realização da tarefa, ou também somente o prazer sem assumir abnegação, mas sobretudo o dom que, compreendido e cuidado corretamente, dá felicidade e leva ao agradecimento a Deus. Existe da mesma forma a necessidade de editar livros que, numa perspectiva verdadeiramente católica, apresentam o ato conjugal como expressão de mútua doação.

O Padre Ksawery Knotz é um pastor corajoso, que, tendo escutado centenas de casais, faz uma reflexão sobre o modo correto e eficaz de lhes demonstrar a sublimidade e ao mesmo tempo a realidade da vivência da própria sexualidade. Os retiros e conferências pregados para os grupos que participam nos centros de retiro são uma valiosa contribuição que ajuda os casais a obterem uma nova visão sobre a realidade de sua vida sexual. O presente livro, contendo a experiência do trabalho de palestras de muitos anos, é uma tentativa de alcançar um círculo de pessoas maior com a mensagem evangélica da instrução e do amor de Deus, que, acompanhando o homem à felicidade, demonstra-lhe o caminho da realização e da vocação matrimonial.

O livro abrange dez capítulos que tratam da sexualidade no matrimônio como uma grande tarefa, que pode conduzir à experiência do amor, mas também fornecer muito sofrimento. O ponto de partida é mostrar a vocação ao matrimônio como dom de Cristo, que no sacramento do matrimônio deseja doar às pessoas sua divina força, bem como convidar à apresentação da oferenda de si mesmo. No livro chama a atenção o simbolismo dos três altares, onde se realiza a vida do casal. I São eles o altar da oração, o altar da convivência e o altar da entrega. Os sinais dessas três dimensões do encontro dos cônjuges consigo mesmos e com Deus são: a capelinha do lar, a mesa das refeições e o leito conjugal. O Padre Ksawery, evocando os altares bíblicos, indica em seguida o significado do corpo humano e o lugar dele nos planos divinos de salvação. Nessa perspectiva teológica, o ato conjugal pode ser uma oração na qual os cônjuges, unindo-se um com o outro, empreendem uma cooperação com Deus.

Abstendo-se na celebração do ato conjugal, o autor dá muitos pormenores que não se tornam expressão de erotismo, mas demonstram a seriedade digna às realidades dadas pela vontade de Deus. Especialmente valiosa é a análise das diferenças de humor e vivência dos cônjuges no período fértil e infértil. O conhecimento desses condicionamentos permite uma melhor compreensão mútua entre os cônjuges, que conseguem desse modo responder às expectativas da outra parte. O quarto capítulo esclarece os mal-entendidos que são gerados do desconhecimento da instrução católica a respeito do que é ser genitor responsável.

A aplicação insistida pela Igreja do Planejamento Familiar Natural não é a mesma coisa que a transferência da decisão do número de descendentes para outro. São sempre os próprios cônjuges que devem tomar a decisão responsável de quantos filhos querem e podem ter e qual decisão precisa ser propriamente motivada.

Um amplo espaço do livro é dedicado à qualificação moral dos atos inerentes à vida sexual. O Padre Knotz apresenta diferentes casos e os esclarece na perspectiva da instrução da Igreja, demonstrando o quão frequentemente visões errôneas sobre a instrução da Igreja frutificam em preconceitos e complicações adicionais na vida de muitos cristãos.

A essencial e ao mesmo tempo inovadora questão tratada neste livro é a das carícias conjugais, que o autor descreve num contexto de demonstrações de fortificação dos vínculos matrimoniais. Nesse espectro, é preciso aspirar à obtenção da virtude da castidade, cuja posse pode garantir um correto equilíbrio no proveito dos prazeres do corpo. Apesar de ser possível de compreensão a postura dos cônjuges que vão longe demais nas carícias feitas no período fértil, não há por onde justificar como comportamentos permitidos aqueles que fora do costumeiro ato sexual levam à mútua descarga sexual em forma de orgasmo. Contidos nos próximos capítulos, esclarecimentos detalhados do fenômeno da contracepção, partindo do lado de seu condicionamento psicológico e ético, ajudam os cônjuges a melhor compreender a avaliação moral desse fenômeno pela Igreja. Mas o autor trata de mostrar a instrução da Igreja como possível de ser observada.

Apresentando o ideal de casamento com concórdia, que consegue perceber e de modo correto satisfazer a necessidade de demonstração de amor através da linguagem do corpo, o Pe. Ksawery indica o caminho da I evolução para a realização desse grande chamado. Mostrando diferentes situações difíceis, causadoras do surgimento de dilemas morais, o autor encontra sua solução na integração do corpo com a emocionalidade e i a espiritualidade, o que é possível graças ao poder do Espírito Santo.

A confiança depositada em Deus frutifica no crescimento da confiança mútua dos cônjuges e facilita a busca da melhor postura de acordo com a norma moral. O gradual crescimento para a realização das exigências morais tolera quedas, mas sempre abrange demonstrações claras da verdade, que sozinha conclama suavemente a ser respeitada.

O livro sobre sexo para casais católicos não fica somente na demonstração das perspectivas das ações positivas, motivadas pela busca do bem da pessoa. O autor é ciente das influências que se abatem sobre os cônjuges contemporâneos, e por isso descreve com competência e desmascara mitos atuais, que são postos para alimentar as pessoas nas mídias de cultura de massa. A perseguição pelo fornecimento ao corpo de cada vez maiores porções de prazer é causada pela contemporânea forma de maniqueísmo, que na sua lista de interesses coloca o corpo humano bem alto, na essência o faz humilhar e destruir. O corpo, tornando-se somente uma ferramenta, é abusado e destituído de sua dignidade que lhe foi dada por Deus. Os cristãos, manifestando oposição ao hedonismo contemporâneo com uma verdadeira concepção de atitude, propõem uma aspiração de felicidade na aceitação de sua humanidade desenvolvida, segundo a sabiamente reconhecida vontade de Deus.

Dirigindo sua consideração na especificidade da moralidade católica, o Pe. Knotz não observa permissões e proibições, mas, antes de mais nada, uma mensagem de amor, que é capaz de transformar o mundo. Por meio da entrega ao direito do espírito, o cristão obtém não somente o sentido de sua vida na terra, mas também abre-se ao auxílio da graça que é concedida pela fé, oração e sacramentos da Igreja. Avaliando a conduta do ser humano na perspectiva do Evangelho, é preciso ver o mal no pecado e o belo na virtude. É preciso também saber olhar para a moralidade na perspectiva da pessoa em ação, que está enredada em muitas situações, encontra dificuldade na leitura e observação da ordem moral objetiva, mas não renuncia na busca deste modo de vida, em que é possível concordar as exigências da vontade de Deus com a aspiração à felicidade do homem. O ser humano foi na essência vocacionado por' Deus à vida, para que, alcançando sua felicidade, se desenvolva e traga glória ao seu Criador.

Este livro do Pe. Knotz é uma aproximação popular de verdades da vida conjugal muito importantes, escrito numa linguagem simples e ilustrada. O autor se baseia na experiência própria na pastoral com casais e como diretor de recolhimentos destinados a casais. Essas visões foram verificadas em numerosas conversas e foram objeto de discussão em fóruns da Internet, especialmente na página "Uma chance de encontro". O Pe. Ksawery, de acordo com a instrução da Igreja, procura lançar luz aos difíceis assuntos da sexualidade no casamento e o faz de modo acessível, mas não simplificando as coisas ao limite da não nitidez ética. I A divisão clara do material facilita uma lenta penetração no texto e a acolhida da paciente argumentação do autor, que apresenta objeções e advertências carregadas por pessoas que pouco conhecem essa área da teologia pastoral, mas, ao mesmo tempo, concede-lhes respostas adequadas. Os pensamentos têm caráter interdisciplinar e tangem setores do conhecimento do âmbito da sexologia, medicina, psicologia e teologia moral e pastoral. o livro é destinado, como diz o próprio título, para casais que amam a Deus. Pode tornar-se uma perfeita ajuda na construção e no aperfeiçoamento dos laços matrimoniais, que, na sexualidade, encontram sua concretização e especial expressão de amor. O caráter popu1 lar do livro não superficializa o assunto e não o sensacionaliza. Apesar disso, este campo é frequentemente vitimado de abuso pela demasiada curiosidade das pessoas que tratam o problema de qualquer jeito, em busca de ferramentas para se excitarem, e mesmo assim o Pe. Ksawery  conseguiu evitar posturas trivialistas e banalizantes do sexo, desviando-se também da exagerada espiritualização, caracterizada por algumas concepções de manuais de teologia. O livro não tem caráter de debate científico e situa-se entre um guia da vida espiritual no casamento e espírito pleno e serenidade da palestra de alguém, que conhecendo a dor e o drama da busca por muitos casais de esclarecimentos "daqueles temas", está convencido da existência do caminho da felicidade, onde é possível encontrar um modo de concordar a glória de Deus com a paz no coração do ser humano.

 

Dr. PhD Andrzej Derdziuk, OFMCap, Professor da KUL Diretor da Cátedra de História da Teologia Moral da Universidade Católica de Lublin

INTRODUÇÃO

 

A maioria das pessoas trata o casamento religioso como tradicional e, nesse sentido, como o modo natural de contrair matrimônio. Cada vez mais é uma forma de "legalização", perante a Igreja e o Estado, da união amorosa de anos de vida em comum. Para muitos, a bênção divina deve garantir uma vida feliz, aumentar a garantia de fidelidade, aumentar a sensação de segurança e estabilidade da união... Essas motivações são boas e verdadeiras, mas, ao mesmo tempo, não são suficientes para que os cônjuges possam se regozijar de que conseguirão viver diariamente o sacramento do matrimônio e que irão tratá-Io como seu caminho em comum para Deus.

Muitos casais receberam o sacramento do matrimônio, mas não sabem dizer no que consiste a sua realização na vida de cada dia. Rapidamente experimentam incapacidade de se amar, falta de unidade, desejos e expectativas incongruentes, sofrimento na vida a dois, mas não se dirigem a Deus, para que seu pecado e fraqueza sejam derrotados pelo poder de Cristo crucificado e ressuscitado.

O católico acredita que Jesus Cristo ressuscitou e que também ele está vivo hoje. Por isso, quer com ele viver acontecimentos tão importantes de sua vida como o amor, o matrimônio, as relações sexuais e a educação dos filhos. Deseja entregar sua vida a Jesus Cristo, quer viver com ele e para ele, ouvir o seu ensinamento e observar os seus mandamentos.

O matrimônio é um sacramento, o que significa uma concreta comunidade de vida e amor criada por homem e mulher - feita de honestidade e fidelidade, prontidão para dar à luz e criar filhos, realizando-se perspectiva da vida em comum até a morte - e especialmente marca)ela presença de Deus. A vida no matrimônio, assim compreendido, Ia-se para os católicos um caminho para a santidade, conduzindo ao encontro com Deus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O homem e a mulher, que conscientemente convidam Deus para a sua união amorosa, fazem a natural pergunta: Como poderão reconhecer a sua presença entre eles? Onde poderão percebê-Io no dia a dia da vida conjugal? De que modo poderão se encontrar com ele? A resposta da Igreja é costumeiramente concreta e precisa. A Igreja diz que os cônjuges podem descobrir Cristo presente entre eles bem próximo - em sua união matrimonial, ou seja, na relação que criam consigo. Desde o momento da concretização do sacramento matrimonial, Jesus Cristo incorpora-se no vínculo criado pelas pessoas que se amam. Nesse vínculo, ele permanece para sempre, para que o casal amadureça o amor cada vez mais autêntico.

1. Deus presente no dia a dia conjugal

 

Muitas pessoas que receberam o sacramento do matrimônio jamais conversam entre si a respeito de suas buscas por Deus e das experiências no encontro com ele. Jamais rezam juntos, alguns sequer participam da Eucaristia aos domingos, e não partilham das Sagradas Escrituras e da sabedoria dos livros religiosos... O matrimônio não é vivido no âmbito da fé, da relação com Deus e também do sacramento.

A vida cristã dos cônjuges não é somente oração, diálogo com Deus, participação na liturgia de domingo. Jesus Cristo aproxima-se' do casal não somente quando falam dele ou estão rezando, mas também quando falam de todas as coisas de sua vida em comum, mesmo quando se desentendem. Muitos desentendimentos conjugais são necessários e fazem crescer.

Tratar a sério a informação de que Deus está presente no vínculo matrimonial significa que Jesus Cristo pode se apresentar aos cônjuges até mesmo quando a esposa faz um café ao marido cansado, demonstrando com esse gesto sua preocupação e amor para com ele, ou seja, seu vínculo com ele. Graças a um modo simples de demonstrar amor, a esposa torna-se santa, perto de Deus. Também o marido, quando leva o lixo ao perceber o cansaço da esposa, esse prosaico trabalho caseiro, mas que é uma demonstração de seu amor pela esposa, é santificante. Evoca o próprio Deus.

Jesus Cristo aproxima-se dos cônjuges também quando estes se' abraçam ternamente, se beijam, se acariciam, mantêm relações sexuais.

Também desse modo, seus corpos excitados participam no mistério do amor de Deus oculto nos corpos humanos. Durante a entrega ao prazer, Deus está presente entre eles e isso sob o poder do sacramento do matrimônio, que santifica sua relação íntima.

Os cônjuges católicos podem assim viver com Cristo, quando juntos rezam, conversam, se ajudam, demonstram ternura, trocam carícias e fazem sexo. "O Matrimônio católico, como todos os outros sacramentos (...) é em si um ato de adoração litúrgica a Deus em Jesus Cristo e na Igreja: ao concretizar este sacramento, os cônjuges cristãos professam a Deus sua gratidão pelo dom que lhes foi concedido, que em sua vida conjugal e familiar podem vivenciar o amor do próprio Deus ao homem e o amor do Senhor Jesus à Igreja, a Sua noiva"

O matrimônio realizado desse modo é um caminho à santidade! Essa consciência faz com que "toda a vida matrimonial seja abrangida na dimensão da santidade, e não somente alguns fragmentos escolhidos. Tudo aquilo que faz o homem de fé deve ser santo, ainda mais aquilo que se faz a dois, unidos pelo sacramental vínculo matrimonial".2 Se as pessoas são vocacionadas à santificação pelo matrimônio, isso significa que, para chegar à santificação, é necessário "tudo aquilo que permite expressar, fortalecer e aprofundar o mútuo vínculo dos cônjuges, o que será também um modo de partilhar as tarefas quotidianas do lar, e um modo de vivenciar a dimensão erótica do amor. E o 'ócio' juntos em torno de uma xícara de chá, e a oração juntos".

 

2. Os três altares do lar

 

Na Igreja, existe a espiritualidade dos esposos, que é diferente da espiritualidade dos sacerdotes e dos religiosos. Essa espiritualidade ensina o desenvolvimento criador do vínculo conjugal e sua contínua manutenção. Realiza-se concretamente pelo cuidado no casamento dos três altares do lar:

 

- o altar da oração, perante o qual o casal constrói o vínculo com Jesus Cristo, convidando-o para participar das coisas que vivem e celebrando na oração a presença dele entre eles.

- o altar da convivência, perante o qual o casal constrói o vínculo através do diálogo sobre todas as coisas da vida em comum.Ele expressa a preocupação de que o trabalho fora de casa não distancie os cônjuges um do outro.

- o altar da entrega, perante o qual o casal constrói o vínculo partilhando o amor e o prazer através do relacionamento sexual. Nesse altar, os cônjuges cooperam com Deus Criador.

 

Ao cuidar desses três altares, o casal gradualmente descobre o amor do próprio Cristo, que vem até eles e incorpora-se na corporalidade deles. A falta de engajamento na construção de pelo menos um desses altares - modos de construir vínculos - causa o seu enfraquecimento. O casamento perde um bem importante. A resignação dos esforços de criar vínculos conjugais causa o desaparecimento do amor entre os cônjuges. Por vezes, o matrimônio pode continuar existindo formalmente, mas não é mais uma comunidade real de vida e amor.

Os símbolos dessas três dimensões do encontro dos cônjuges consigo mesmos e com Deus são: a capelinha do lar, a mesa e o leito matrimonial.

O casal católico cerca o leito matrimonial de um respeito especial.

Prepara um quarto especial para a celebração íntima do ato matrimonial. Coloca nele um leito de tal forma largo, para possibilitar uma confortável vivência de momentos incomuns.

 

3. A poesia de amor nas Sagradas Escrituras

 

As palavras líricas do Cântico dos Cânticos desvendam a verdade sobre o amor matrimonial revelado por Deus.4 Vale a pena ressaltar que o Cântico dos Cânticos fala sobre o erotismo humano, sobre o sentimento que acompanha a busca pelo prazer sexual. Quando o homem declara à mulher o seu amor, ela o convida ao "seu jardim", para que experimente frutos selecionados. O homem acolhe esse convite.5 Quando já estão próximos um do outro, ele descreve sua boca como "semelhante ao vinho excelente", ela o interrompe, dizendo que é "digno de ser bebido por meu amado, e degustado por seus lábios e dentes".6 Durante o beijo, ele elogia os lábios dela, que lhe destilam o mel mais fresco, que se acumula sob a sua língua.? Ela então declara que o paladar dele é só doçura  e entrega-se aos beijos dele. O noivo compara a amada à palmeira, na qual quer subir para colher frutos maduros escondidos sob suas ramas.

Tem em mente os seios da amada, que deseja saborear como um cacho de uvas. Esses exemplos ilustram o clima de sentimentos que envolve o Cântico dos Cânticos. Ele está embebido de sutil e sedutor erotismo. As ilustrações deixam muitas coisas não ditas, mas já presentes e ativadas no leitor. "As palavras de amor ditas pelos noivos concentram-se então no 'corpo', não somente porque ele consiste por si mesmo na fonte de mútuo fascínio, mas acima de tudo porque nele permanece simples e diretamente a atenção com a outra pessoa, o outro - feminino ou masculino - 'eu', que no movimento interior do coração inicia o amor. O amor também evoca uma vivência especial da beleza, que se concentra naquilo que é visível, mesmo que abrangendo toda a pessoa." O amor descrito nas páginas desta obra mostra a real igualdade entre o homem e a mulher. Não há aqui a proposta do modelo que aceita somente a iniciativa do homem no campo da vida sexual. Eis que a noiva demonstra mais atividade do que o noivo, ela é quem toma as iniciativas, busca a aproximação com o noivo, regozija-se com o amor dele e com sua excitação sexual: "Eu sou para meu amado e seu desejo é para mim". Ele sente saudade dela, fascina-se com sua resposta. Seu encontro íntimo realiza-se com o consentimento mútuo, é uma escolha livre de ambas as partes.  O Cântico dos Cânticos não fala de amor ferido, que é uma experiência universal humana, mas do amor já resgatado e salvo. Daqueleamor que foi perdido no paraíso, mas em Deus novamente encontrado. I A presença copiosa de erotismo não encobre o respeito que os cônjuges têm um pelo outro. Eles são para si únicos e exclusivos,14 escolhidos, entre milhares de homens e mulheres.15 As misteriosas palavras do Cântico dos Cânticos serviram por séculos para descrever a relação das almas com Deus - o Noivo e a Noiva -, para mostrar o mistério da presença de Cristo na Igreja. Valendo-se desse Cântico, São João da Cruz esclareceu o profundo estado místico, especialmente a última etapa do caminho espiritual, o chamado desposamento espiritual, a mais plena união da alma com Deus.

Essa interpretação, porém, não é suficiente. O Cântico dos Cânticos é uma coleção de cânticos de festas de casamento. De acordo com o caráter festivo do casamento, canta o amor do homem e da mulher,  também na dimensão erótica. Justamente desse caráter da obra recorda o Papa Bento XVI na encíclica Deus caritas est.

 Somente essas duas relacionadas tradições permitem em plenitude fazer a leitura da Revelação Divina contida no Cântico dos Cânticos. Ele anuncia que a intenção divina é santificar os cônjuges, para que seu amor mútuo os conduza ao profundo e simplesmente místico encontro com Deus.

A tradição da mística cristã (que demonstra a presença de Cristo na vida cristã) e a tradição da espiritualidade matrimonial (que demonstra a presença de Cristo no amor conjugal) não se opõem entre si, mas comunicam-se maravilhosamente. Se os cônjuges viverem autenticamente o sacramento do matrimônio, na Igreja desenvolve-se a mística da vida conjugal, que demonstra a presença de Deus nos vínculos matrimoniais, em todas as dimensões da vida conjugal.

 

4. O corpo não é somente um fenômeno da natureza

 

Os cônjuges que reconhecem a sua união como um caminho para a salvação valorizam a sexualidade. "O amor erótico dentro da fidelidade matrimonial deixa de ser considerado um impedimento na obtenção da maturidade cristã - é sim um modo de expressão e fortalecimento dos vínculos matrimoniais sacramentais. A sexualidade é bela e boa, pois assim quis Deus. Foi ele quem criou dessa maneira o ser humano - como homem e mulher -, que a mútua união matrimonial cria a mais profunda unidade possível a dois. A prática do sexo do casal não é contrária a sua salvação, antes pelo contrário. A graça divina faz da entrega mútua dos corpos um sinal santo, do sacramental amor conjugal. A essência da união matrimonial é a doação mútua de si. O prazer decorrente do sexo não é aqui nem vergonhosamente silenciado, nem avaliado negativamente. Na entrega de si, não entra em jogo somente o prazer próprio, mas acima de tudo o dar felicidade ao outro, o cônjuge. (...) A beleza das relações íntimas é o reflexo dos vínculos que unem o marido e a mulher. A linguagem corporal conjugal - começando pelo olhar, seguindo pelas diversas formas de ternura até a doçura da união - é capaz, como nada mais, de expressar a conexão espiritual que une os dois."

Quando se olha de forma tão profunda e pura o amor humano, observa-se cada vez mais claramente que o corpo esconde em si e expressa algo mais do que apenas processos próprios do mundo natural. É uma língua falada pelo homem - como a honestidade, o intelecto, a espiritualidade, o relacionamento. O corpo tem significado, comunica-se, fala, demonstra. O corpo compreendido como uma linguagem humana é um fenômeno  excepcional, pelo qual se pode expressar os mais diversos acontecimentos, sentimentos, pensamentos... Através do corpo nos encontramos com a outra pessoa. O corpo pode ser vivenciado como um dom, graças ao qual pode-se demonstrar amor à outra pessoa e dela acolhê-lo. Daí também o ato sexual é compreendido como expressão relação com a pessoa amada. Nele está presente o amor - o interior e o espiritual mundo da pessoa que ama.

Nas pessoas maduras, o sexo é um meio importante de comunicação entre o esposo e a esposa - as pessoas que se amam estão juntas nos momentos bons e ruins, têm muitos valores comuns, liga seus sentimentos, estão acostumadas consigo, sentem-se atraídas sexualmente, desejam se entregar ao prazer, dão à luz e criam os filhos... O verdadeiro ato sexual humano mexe com as pessoas que se amam tanto no campo espiritual quanto  no psicológico e fisiológico - abrange reações de toda a pessoa – espirito coração e corpo. Não apenas faz surgir a sensação de satisfação e extravasamento da tensão sexual, assim  como a sensação de paraíso psicológico, mas também uma paz espiritual no coração, que vem de Cristo.

 

5. Foi Deus quem nos deu a sexualidade

 

Nas Sagrada Escrituras, há a emocionante narrativa do amor de Tobias e Sara: Tobias se apaixonou por Sara de tal forma, que não conseguia imaginar a vida sem ela. Como obstáculo ao seu amor, entretanto, estava o mau espírito Asmodeu, que, durante o ato sexual na noite de núpcias, matou os sete maridos anteriores de Sara. Tobias tinha plena consciência de que, se desposasse a sua amada durante a iniciação sexual, seria morto pelo espirito mau. Ele então pediu socorro a Deus. Apareceu-lhe o Arcanjo Rafael e recomendou que, antes do ato sexual, os cônjuges rezassem, entregando-se a Deus. E assim foi feito. Deus ouviu suas súplicas - o ato sexual do jovem casal acabou bem. As manifestações do controle do mau espirito desapareceram  - pecado, sofrimento e morte. Surgiram sinais da presença de Deus - amor, felicidade, vida.

O Papa João Paulo lI, nas catequeses sobre a teologia do amor, assim comentou o acontecimento bíblico. "Pode-se dizer que, juntamente com esta oração, (...) desenha-se uma própria para o sacramento, uma dimensão de liturgia (...) que a palavra é uma palavra de poder (...).

Nesta palavra a liturgia plenifica-se o sacramental sinal do matrimônio, construído na unidade do homem e da mulher. (...) Tobias e Sara expressam-se na língua de ministros do sacramento conscientes de que na aliança matrimonial do homem e da mulher, propriamente pela linguagem corpo se exprime e torna-se real o mistério que tem suas origens no próprio Deus.

Vivenciando o amor humano, pode-se permanecer numa dimensão puramente mundana - nos conhecemos, nos amamos, fazemos sexo, moramos juntos, aparecem o primeiro filho, o segundo... A vida segue o seu curso natural. As pessoas sem fé jamais interpretam o seu amor como um dom de Deus que é, ao mesmo tempo, um sinal do amor dele. Quando os esposos Tobias e Sara rezam para Deus antes do ato sexual, eles expressam a fé de que sua felicidade conjugal depende  não somente deles mesmos, mas também de Deus. Desse modo, entram na dimensão superior da interpretação do seu amor - no âmbito da vida do sacramento do matrimônio - do mistério da presença de Deus entre eles.

Surge uma nova dimensão em sua relação com Deus - a liturgia da vida conjugal. A vida conjugal torna-se um culto prestado a Deus A liturgia consiste nas pessoas dirigirem-se a Deus, e Deus vir até elas.

Quando se dirigem a Deus com as coisas de seu casamento, supondo os vínculos entre eles, sua oração possui um valor especial. É uma oração em que "a palavra é uma palavra de poder" - tem poder de realizar. Tal oração são as palavras da consagração proferidas em nome de Cristo durante a Eucaristia. A pronúncia dessa oração faz com que o pão comum torne-se o corpo, e o vinho, o sangue de Cristo. Tal oração são também as palavras do juramento matrimonial. O 'poder do sacramento age também no dia a dia da vida, em que o casal recomenda a Deus sua comunidade - agradece a Deus pelo seu matrimônio, quando pede amor, capacidade de diálogo, solução dos problemas de sua vida sexual... Deus, de modo especial, com a força da aliança firmada com os cônjuges, ouve essa oração sacramental.

A oração em comum "plenifica o sacramental sinal do matrimônio, construído na unidade do homem e da mulher". Essas palavras têm também um significado-chave para a compreensão do que consiste a realização do sacramento do matrimônio na vida diária. Para bem interpretá-Ia, é preciso antes compreender a fórmula do "sacramental sinal matrimonial".

A definição mais simples do sacramento diz que é "um sinal visível da graça invisível", ou seja, o momento invisível da entrada de Cristo em nossa vida é percebido por nós graças aos sinais visíveis de sua presença. Por isso, a oração que evoca Deus é sempre acompanhada do sinal sensível, que exprime ~quilo que está acontecendo e conscientiza de que Deus exatamente agora incorpora-se nos membros da Igreja, formando com eles uma comunidade - o Corpo de Cristo. Durante o batismo, quando o sacerdote pronuncia as palavras: "Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo", e nesse momento derrama água na cabeça do bebê, sabemos que - durante o derramamento da água (e não leite) - Deus tornou a criança um cristão. Semelhantemente é durante a Eucaristia. A ceia humana, a refeição visível, que é simbolizada pelos sinais do pão e do vinho, torna-se para nós algo significativamente maior - o banquete em que Cristo nos alimenta de si mesmo, nos dá o seu Espírito e desse modo constrói na terra o seu Corpo - a comunidade visível da Igreja. O natural sinal do banquete, o tomar a refeição, torna-se elevado ao nível de sinal sacramental, que permite perceber a presença de Deus.

O momento da vinda de Deus aos cônjuges torna-se um sinal visível, quando conhecido o sinal visível do sacramento do matrimônio; quando também se consegue lê-lo corretamente - tal como se consegue ler significado da comunidade do povo de Deus, do sacerdote, da água, do pão e do vinho no conjunto dos outros sacramentos.

Mais frequentemente o sinal sacramental é identificado com a aliança ou a estola com que o sacerdote une as mãos do novo casal, ou seja, com os símbolos que falam de exclusividade, unidade, estar juntos para sempre. Mas são apenas lindos símbolos, que ajudam o casal a vivenciar o sacramento do matrimônio. São importantes tanto quanto são durante a Santa Missa, a toalha branca, as velas acesas e o paramento do sacerdote. Isso é muito necessário, para que de modo santo vivenciemos o encontro com Deus, mas não consiste na essência do sacramento da Eucaristia.

O sinal sensível aos sentidos do sacramento do matrimônio é muito concreto e expressivo e mais importante - mostra que Deus pode agir em cada momento da vida conjugal. Esse sinal é criado pelos próprios cônjuges por intermédio de seus corpos. Esse é um sinal vivo.

A proximidade corpórea dos cônjuges cria o sinal de sua comunidade, amor, vínculos, relação. Os cônjuges cria o sinal  da presença de Deus quando estão corporeamente juntos - quando juntos vivem sobre mesmo teto (não estão separados pela emigração), quando rezam juntos (não somente em separado), quando conversam consigo (por exemplo, ao tomar café), se ajudam no dia a dia da vida (arrumam a casa) se apoiam, se consolam, quando oferecem mutuamente ternura, se acariciam, fazem sexo. Por isso os cônjuges, que firmaram o sacramento do matrimônio, devem dormir na mesma cama, criando o sinal da unidade também à noite. "O primeiro e direto efeito do matrimônio (res et sacramentum) não é somente a graça sobrenatural, mas o vínculo cristão matrimonial, a comunhão entre dois típica cristã, pois apresenta o mistério da Encarnação de Cristo e o mistério de sua Aliança. É também especial o teor da participação na vida de Cristo. O amor matrimonial contém certa integralidade, em que entram todos os elementos da pessoa - impulsos do corpo e instintos, poder dos sentimentos, inclinação do espírito e vontade. O amor quer chegar à unidade profundamente pessoal, que não somente une num só corpo, mas também conduz para que seja um só corpo e um só espírito.20 De qualquer maneira, na unidade corporal, torna-se perceptível para si e para o outro como cônjuges que se amam. Quando os cônjuges conseguem na fé interpretar seu amor, muitas manifestações expressas por seu corpo (ajuda, oração, diálogo, carícia, ato sexual) tornam-se para eles sinais sacramentais, ou seja, sinais pelos quais reconhecem a presença viva de Deus entre eles.21 Quando a esposa se sente amada por seu marido, pode-se dizer que, por meio de seu amor masculino (expresso pelo corpo dele), o próprio Deus vem até ela e lhe expressa seu Amor. Quando o marido se sente amado pela esposa, pode então reconhecer que ela é para ele um verdadeiro dom de Deus. Mediante a feminilidade dela, Deus garante ao marido seu amor e cuidado.

Tal atitude perante a realização do sacramento do matrimônio é muito prática e concreta. Quando, por exemplo, o marido vê sua esposa nua e instintivamente começa a sentir uma crescente excitação, sua reação pode significar um chamado de Deus a oferecer à esposa amor através do ato sexual e contentamento de estar tão perto dela (caso não haja impedimentos objetivos - há um período de tempo que possibilita o coito, não atinge seu corpo pela anticoncepção). Semelhantemente ocorre na relação dela com o marido. Quando a esposa está desejosa de ternura, quer ser pelo marido agarrada, abraçada, beijada, seu desejo pode ser lido não somente como o querer feminino de ser amada pelo homem, mas também como inspiração divina à aproximação corporal com o esposo. Quando o marido responde ao seu desejo com amor e ternura, a esposa pode querer unir-se a ele através do ato sexual. Sentindo-se amada no casamento, sentir-se-á amada também por Deus.

Conhecendo o mistério do matrimônio como sacramento, descobrimos que os cônjuges podem ser para si ministros da graça. A concepção teológica "ministro da graça" é utilizada frequentemente em referência ao sacerdote, quando se diz que, por seu serviço, Deus vem ao povo, por exemplo, pelo sacramento da reconciliação ou pela Eucaristia. O sacerdote ministra a graça divina, ou seja, por seu auxílio, Deus concede ao povo o Espírito Santo. Com esse mesmo significado, Deus vem aos esposos através de seu próprio serviço de amor um para o outro.  Pela corporeidade do marido, Deus vem à esposa, e ao marido pelo corpo da esposa. Por intermédio da esposa, o marido recebe a graça de Cristo, pelo amor do marido a graça de Cristo se derrama sobre a esposa. Deus, por meio da outra pessoa, demonstra o seu amor, cuida, dá sensação de segurança, se preocupa, adverte, aconselha, ajuda, apoia, dá prazer...

Os cônjuges, como ministros da graça sacramental, têm real influência no fato de Cristo estar presente na união que formam. Podem conscientemente evocar Jesus Cristo e se unir a ele na vida diária e, através do esforço moral, obter para si um verdadeiro dom. O papel ativo do marido e da mulher na construção de sua relação com Cristo e entre si é muito importante. Como ministros da graça, devem despertar em si a intenção de dependência em tudo a Cristo, recomendar a Deus seus problemas conjugais, oferecer a Deus o cônjuge, preocupar-se permanentemente na incorporação do mandamento do amor no seu casamento.

 

6. O ato conjugal também é uma oração

 

A ideia sobre a presença de Deus no dia a dia é semelhante à atenção com a qual o motorista dirige seu carro. Há momentos em que quase automaticamente realiza alguns procedimentos, estando neste tempo absorto aos seus pensamentos ou concentrado na audição do rádio. Em outros momentos, está inteiramente engajado na condução do veículo e com atenção observa a estrada. Nós também frequentemente temos uma intuição interior, uma consciência oculta da presença de Deus em nossa vida, mesmo quando estamos totalmente concentrados na realização de trabalhos. Às vezes, a sensação da proximidade de Deus manifesta-se no limiar da consciência, quando estamos trabalhando, conversando, descansando... Algumas vezes menos, outras mais conscientemente. Há momentos, porém, que sentimos mais expressamente a proximidade dele. Daí, seguidamente vamos para o canto, deixamos outras coisas para ficar somente com Deus por alguns momentos.

A sensação de proximidade de Deus não é de modo algum contrária à entrega total às carícias e ao ato sexual, atividades em que os cônjuges estão diretamente concentrados. As pessoas que vivem a fé diariamente entendem perfeitamente o que significa viver com Deus e para Deus tanto nos momentos reservados somente à oração quanto naqueles em que se ocupam com as coisas inerentes ao dia a dia. Uma compreensão não adequada dessa presença existe entre as pessoas que buscam a Deus somente quando se sentem em perigo, ou limitam a fé à participação em casamentos, batizados e sepultamentos.

A consequência da integração da sexualidade com a religiosidade é a possibilidade de surgimento da oração - ou relação com Deus - no contexto da união íntima dos cônjuges. "Pois, nesta misteriosa relação (...), homem e mulher estão unidos na própria fonte carismática de unidade matrimonial. Seus corpos estão unidos no movimento da unidade de suas almas. Desde o momento que suas almas glorificam a Deus na unidade novamente descoberta, a oração do casal pode tornar-se muito profunda.'>22 Nesse especial momento de união dos cônjuges consigo e com Deus, não importa a pronúncia de determinadas palavras ou a acolhida de certas poses de oração. Na oração, o mais importante é o amor a Deus, que é derramado do fundo do coração humano. Os cônjuges participam da oração por meio da descoberta da atmosfera do ato, que está repleta de proximidade e amor mútuo. Nesse momento maravilhoso, podem aprender a perceber a presença de Deus não pensando nela, tal como durante o ato sexual não pensam em alcançar a "unidade que abrange sua individualidade".23 Não realizam durante o ato sexual nenhuma análise intelectual dessa experiência, não pensam a respeito do que estão descobrindo nesse momento, mas conseguem, entretanto, I mais tarde verbalizar o que sentem. São capazes de dizer se vivenciaram o milagre da unidade, se aproximaram-se um do outro, se renovaram seu amor ou se também se distanciaram. Mais através de gestos do que de palavras disseram-se coisas e ouviram essa voz.24 De modo semelhante, entre os cônjuges pode despertar a experiência da presença de Deus em seu amor, mesmo quando ele não é expresso diretamente.

A ideia que afirma Deus presente no amor humano, com dificuldade, é aceita pelo psiquismo. Mesmo que muitas coisas procurem interferir na claridade dessa intuição espiritual, ela permanece no fundo da consciência humana, mesmo antes de o homem tentar nomeá-Ia e determiná-Ia. Pois, mais frequentemente, não se abrange pela ideia, é comumente não percebida e conscientizada. Vale a pena, entretanto, tomar consciência dessa intuição, pois ela é como a rajada de vento vivificante, que espera ser libertado.25 Quando isso acontece, da alma dos cônjuges jorra louvor, ação de graças, súplica dirigi da a Deus. O ato matrimonial desperta no coração o sentimento de amor a Deus, gratidão por sua presença, pelo dom do amor, pela alegria do encontro com o outro cônjuge, desejo de agradecimento a Deus pela pessoa amada, súplica de concepção de um filho ou gratidão por sua concepção... Ao ato matrimonial seguidamente acompanha a graça consoladora.

Os cônjuges não devem temer esse estado espiritual e não devem evitá-lo. Pode-se dizer que o próprio corpo atrai a alma à oração. Nisso a oração da alma abrange o corpo, fazendo cada ato conjugal único e exclusivo.

Os cônjuges cristãos ultrapassam os sentidos e adentram no mistério oculto. Essa experiência, passageira e fugaz, tem sua fonte no fundo da alma humana -lá onde o desejo de amor e unidade comunica-se com o desejo de dar sentido à própria vida. Aquilo que os cônjuges tentam expressar por meio dos gestos de seus corpos é apenas um pequeno reflexo da luz que no momento reluz aos olhos de suas almas. A experiência de unidade entre a sexualidade e a espiritualidade não é permanente, seguidamente se manifesta apenas como uma sensação. É permanentemente abafada pela tensão que reina entre as inclinações contrárias .

do corpo e do espírito, "oscila entre o planalto do desejo e a planície da necessidade".26 Mas, ao morrer, nasce permanentemente outra vez, é um dom de Deus que não pode ser impedido.27 Cada sacramento possui uma liturgia própria e correspondente para si. Assim, também o matrimônio tem seu próprio modo de encontro com Deus. A liturgia matrimonial não se limita apenas à oração em comum diante da cruz ou imagem santa, mas abrange toda a vida dos cônjuges que se entregaram ao serviço de Deus. "O matrimônio cristão como todos os sacramentos (...) em si é um ato litúrgico de adoração a Deus em Jesus Cristo e na Igreja".28 "Em si" - o que significa que não se refere a uma especial "atividade santa", por exemplo, a devoção noturna dos cônjuges, mas a tudo aquilo que eles fazem juntos em sua vida em comum. Desse modo, amadurecem a Deus, e o amor matrimonial torna-se uma nova forma de culto, que nasce nos corações humanos e dirige-se a Deus por meio da "linguagem corporal". O amor terreno do homem e da mulher torna-se a língua do sacramento do matrimônio.

 

Os cônjuges celebram o seu sacramento, ou seja, sua vida com Cristo também durante o ato sexual. A denominação de ato matrimonial à celebração do sacramento do matrimônio em caso excepcional eleva a sua dignidade. Essa afirmação choca as pessoas, que aprenderam a olhar erroneamente a sexualidade. É difícil para elas admitir que Deus está também interessado na feliz vida sexual e que nesse ato dá aos cônjuges seus dons.

 

7. Deus não quer ficar nos olhando

 

A verdade da presença de Deus no vínculo dos cônjuges assim compreendida é difícil de ser acolhida por algumas pessoas por diversos motivos.

Domina a imaginação de que Deus vem até as pessoas de fora, mas seguidamente por acontecimentos milagrosos, excepcionais. Encontrar-se com Deus é possível nos locais de milagrosas aparições, como em Fátima, como em Cz stochowa, ou pela pessoa do Padre Pio, lá onde age alguém incomum - um curandeiro ou exorcista, que, com o poder de Deus, cura os doentes graves ou expulsa os maus espíritos. Mas a vida comum não é sublinhada por uma especial presença de Deus, pois nela não acontece nada de extraordinário. A vida diária segue além de Deus. Ele está presente em algum lugar, mas mais ao lado, mais além dos acontecimentos do que dentro deles. Certamente está a tudo observando de fora, mas não está diretamente presente e engajado. Se quisesse intervir, deveria descer especialmente dos céus - vir de fora e marcar expressamente sua presença, ou de um modo milagroso e extraordinário manifestá-Ia.

Tal ideia  não permite viver seriamente com Deus na história diária de sua vida, levantar com ele pela manhã, tomar o café da manhã, conversar com as pessoas, trabalhar, fazer amor - entender Deus como onipresente nos acontecimentos, na história de nossa vida. Deus assim compreendido também não existe na corporeidade, que é por demais comum, biológica e então indigna de Deus. Ainda mais, ele não está na sexualidade humana.

Para essas pessoas, não chegou ainda a verdade da encarnação de Deus, ~a ressurreição de Cristo. Não entendem que o corpo humano não possui somente dimensão material e biológica, mas também espiritual e religiosa. "Acaso ignorais que vosso corpo é templo do Espírito Santo que mora em vós e que recebestes de Deus? Ignorais que não pertenceis a vós mesmos? De fato, fostes comprados, e por preço muito alto! Então, glorificai a Deus no vosso corpo" (lCor 6,9-20). O corpo consiste na expressão e na plenitude da alma imortal. Um homem sem corpo não poderia se encontrar com Deus, não poderia viver para Deus e realizar sua vontade. O corpo é um espaço santo - espaço da presença de Deus. Q sacro não é um espaço separado do profano - mundano, uma esfera da vida desprovida de santidade. O sacro é o homem corpóreo e por isso seu corpo não pode ser conscientemente destruído, morto, ferido, ter suas funções artificialmente reguladas. Essa presença de Deus no corpo humano lhe confere uma dimensão de santidade, sendo também uma fonte última do direito á~ seu não infringimento, do respeito à sua biologia. Por isso, a verdade sobre a santidade do corpo humano é o antídoto às ateísticas e materialistas visões de humanidade. É o desintoxicante para os pontos de vista estreitos e desumanos, em que a falta de respeito com o corpo humano anda junto com a falta de respeito com a pessoa humana.

O fruto de tal ideia é a imaginação falsa da ausência de Deus no dia a dia como, por exemplo, no sexo. Essa mentalidade se concretiza com a indagação: O que Deus tem a ver com o meu sexo? E o que Deus tem a ver com a sua saúde, seu dinheiro, seu  trabalho, seu descanso, seu amor, sua morte? Caso não tenha nada, significa que você não cristão!

 As pessoas que não têm fé não percebem nenhum mistério de Deus em suas vidas. De modo alheio a Deus, vivenciam seu corpo, nisto também a esfera sexual. O contato sexual possui somente a dimensão diretamente acessível aos sentidos humanos. Segundo elas, Deus não pode estar presente nos sentidos humanos, porque o corpo não tem nada em comum com o espírito. É somente biológico. Da mesma forma não pode estar no embrião humano. Não pode estar no ser humano.

Outra dificuldade na acolhida da presença de Deus na vida conjugal é a permanência de muitas pessoas adultas nas etapas primárias e infantis de desenvolvimento religioso. Crianças de 5 a 7 anos de idade compreendem muito ingenuamente Deus, segundo fundamentos do antropomorfismo material. Deus é um super-homem, tem uma casa no céu e vem às pessoas para intervir em alguns acontecimentos. Quanto às pessoas que se mantiveram em seu desenvolvimento religioso nesse nível, dizem que Cristo está presente entre elas no ato sexual; tais pessoas, algumas até já idosas, imaginam infantilmente que entre elas deitará um velho com barba branca, ou que terão de permitir em sua intimidade o "Grande Irmão", que os observará ocultamente e ficará pensando em algo... Às pessoas adultas que permaneceram com seu desenvolvimento religioso em nível de Primeira Comunhão é difícil explicar no que consiste a madura espiritualidade cristã.

Na idade entre 7 e 9 anos, a religiosidade do homem é muito ritual e mágica. Nesse período, as crianças entendem a relação entre o sinal sacramental e o efeito espiritual como uma dependência mecânica. Se o homem não amadurecer desse estado, entenderá o sacramento do matrimônio não como um encontro permanente criador dos cônjuges consigo e com Cristo, mas como um ritual mágico, que deverá garantir automaticamente um casamento bom e feliz. Tais pessoas acreditam que basta pronunciar as palavras da promessa, entrelaçar as mãos com a estola, colocar as alianças, realizar as tradições de cada povo na frente da igreja, para que o casal se ame, viva feliz e nunca, jamais se separe. Pessoas com uma "espiritualidade" assim não percebem que o sacramento do matrimônio não se realiza somente pela súplica, mas na preocupação diária e cuidado com os vínculos conjugais, permanente aprendizado da vida em comum e recomendação de todos esses esforços ao Senhor Deus.

Outro grupo de pessoas imagina que, se com seriedade se convertessem e entregassem sua vida a Deus, na certa deveriam sentar horas na igreja e adorar ao Senhor Jesus. Deveriam "sair" deste mundo, abando-

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nar suas profissões, diversões - renunciar a tudo o que é oferecido pela sociedade e começar uma vida totalmente nova fora dela. Abandonar a vida mundana, ou seja, sem Deus, e entrar no espaço sacral, eclesial.

Somente assim poderiam se considerar católicos verdadeiros, viver verdadeiramente perto de Deus. Por não querer fazer isso, sentem-se impelidos a viver de qualquer jeito, ordinariamente - pode não ser um mal, mas também não estarão perto de Deus.

Essa imaginação de santidade é também uma oculta descrença na ressurreição dé Jesus Cristo, que pode ser encontrada em toda parte-no mundo, em cada lugar e tempo. A vida santa não depende do local, mas está sempre lá onde encontramos Jesus Cristo, onde vivemos para ele e onde observamos os seus mandamentos. Pode ser no mosteiro, mas pode ser no local de trabalho, e também no lar da família que vive no dia a dia com Deus.

Deus santifica os cônjuges não pela renúncia a muitos bens valiosos deste mundo, mas através de suas escolhas livres e conscientes pelo bem e aí com a rejeição ao pecado, que separa o homem de Deus e destrói o amor entre as pessoas. O caminho da santidade do casal é o caminho da conquista da capacidade de amar-se mutuamente - a descoberta do novo modo de amor, que não é generalizado no mundo, que tem uma qualidade completamente diferente, mas sempre no cotidiano que os cônjuges vivem - se amam, moram, trabalham...

Falar sobre a santidade do ato conjugal, servir-se do simbolismo da cama como altar, desperta em algumas pessoas a ideia do comportamento na igreja. Algumas pessoas são convencidas de que lá onde Deus está devem se comportar muito piedosamente - não podem falar em voz alta, as mãos precisam estar postas, não podem fazer brincadeiras, rir, dizer piadas, se beijar, se acariciar e fazer sexo. Quando ouvem sobre a santidade do ato conjugal, imediatamente imaginam que este sexo deve ser desprovido de alegria, de joguetes frívolos, fantasias e posições atraentes aos cônjuges. Precisa ser triste como um canto antigo de igreja.

Simplesmente não lhes vêm à mente que algo santo pode ser totalmente natural, uma vida conjugal e familiar normal.

Deus jamais destrói os bons desejos, que ele mesmo colocou no coração humano, não limita o desenvolvimento do homem, não bloqueia o potencial que nele pulsa. Justamente ao contrário, dá oportunidade ao pleno desenvolvimento. A vida com Cristo, realizada pela construção dos vínculos entre homem e mulher, não tem objetivo de remover das pessoas o amor, mas o objetivo da salubridade, purificação, nobreza do amor humano e nisto a sua própria elevação até Deus.


 

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